Com a crise que o Brasil está passando, recessão chegando, nenhuma perspectiva de melhora, muito pelo contrário, mais e mais tenho ouvido amigos com intenções de largar tudo e sumir do Brasil.
Eu entendo.
Deixei meu país por uma mistura de motivos. A maioria ligados a qualidade de vida que eu levava por lá. Achava inaceitável trabalhar como uma condenada, pagar impostos na fonte e não desfrutar de nada que aquele imposto deveria trazer. E pior, não via perspectiva de melhora, via a coisa indo ladeira abaixo. Enchi!

Estava cheia também da falta de tempo para mim, das viagens de trabalho, do trânsito, da desorganização generalizada. Vivia assustada com assaltos, me sentia vulnerável! Não vivia, sobrevivia.
Enfim, cansei.
Na contrapartida, sempre fui apaixonada por viver e entender outras culturas. Minhas economias eram investidas em viagens, desde sempre. Tinha amigos de outras nacionalidades e namorei mais gringos que brasileiros. Sempre fui curiosa para aprender e entender como os outros vivem. Perdi as contas das inúmeras viagens internacionais que fiz desde meus 13 anos.
Juntou então a fome com a vontade de comer.
No fim da minha pós graduação na Suíça, quando me vi já desacelerada e vivendo uma qualidade de vida que nunca imaginei poder viver, resolvi o que queria. E fui atrás. Nada na minha vida veio de mão beijada, sempre tive que ralar duro pelas minhas conquistas!
Fechei meu apartamento, dei e vendi meu supérfluos, desapeguei e mudei para cá, trazendo o mínimo.
Hoje percebo que para muitos a vida na Suíça parece ser só glamour! Os Alpes, os chocolates, a vaquinha com sinos no pescoço, a qualidade Suíça. Não, não é só isso! Bem vindo a minha nova realidade.
Morar fora exige concessões que muita gente nem sequer imagina.
A primeira coisa é rever os conceitos de sucesso. Os valores aqui são diferentes. Ganhar dinheiro, ter carreira, cultuar um corpão, nada disso tem muito peso por aqui. Você não é melhor que seu vizinho porque seu carro é mais novo. Busca-se algo mais, ir além em tudo.
Ser vale mais do que ter.

O chefão da empresa e o faxineiro levam o lixo para reciclar.
Milionários limpam o para-brisa com neve para ir trabalhar.
Se o filho da diretora está doente, ela larga tudo e vai socorrer.
Funcionários dizem “Não!”, porque já se comprometeram com férias em família. E levam crianças para o trabalho quando não têm outra saída.
E tem que limpar banheiro, arrumar cozinha, trocar lençois da cama, lavar e passar roupas.
Pintar as unhas, ou desistir de pinta-las, e lasca-las lavando louças!
Fazer a própria depilação.
Passar aspirador tropeçando no fio....
Ir ao supermercado, que vai fechar pontualmente as 6:45, independente de você estar com a geladeira cheia ou não.
Pagar uma fortuna por 300 g de frango, as vezes com gosto de nada.
Tem que cortar grama.
Tirar neve da porta.
Levar o lixo no lugar do lixo, com chuva, sol, neve ou o que for.
E ver o dia ficar curto no inverno.
Como não existe mão-de-obra barata, é esperado que as famílias dividam tarefas domésticas, o que cria uma cumplicidade nas pequenas coisas cotidianas.

Sucesso hoje para mim é dividir as experiências do dia em volta de uma mesa bem posta, desfrutando de um jantar feito com carinho e temperado com as ervas do jardim. É parar o tempo em volta da mesa e desfrutar dos sabores dos temperos, antigamente não tão percebidos.
E saber que depois daquele momento mágico a vida vai voltar em ritmo frenético: tirar a mesa, lavar a louça, separar para lavar a toalha respingada de vinho, levar o lixo que já transborda e assim vai...

E o status da carreira? Os bares badalados? As coisas de moda? O convívio com a família? A distância dos amigos? Well... não se pode ter tudo. Para viver em um país rodeado de montanhas onde se anda a pé sem medo, o transporte público é confiável e as pessoas se respeitam, tive que abrir mão disso tudo e de muito mais.
Holerites, conforto de ter ajuda para atividades doméstica, falar minha própria língua, estar perto de pessoas que amo imensamente. Au revoir!
Já vi pessoas saindo da Suíça aliviadas. Talvez porque não estavam preparados para a parte dura. Esperavam só glamour sem ter que pagar o preço de viver por aqui.
Estar pronto para as concessões não é mole. Sei lá se é para qualquer um. O sonho realizado cobra um preço emocional e físico.
Depois de um dia cheio, sem parar um único minuto, cansada, fechando janelas para dormir, desço as escadas e quase sempre sorrio quando me surpreendo com aquele perfume, aquele resto de sabor que escapou do forno e graças a Deus infestou a casa inteira.
E Bonne nuit, que amanhã tem mais trampo!