
Não tinha a menor ideia da diferença de avenida para boulevard até que me explicaram que boulevard é uma espécie de avenida mas obrigatoriamente com árvores plantadas dos dois lados. Depois que aprendi atentei ao charme destas pseudo-avenidas.
Geralmente no verão os boulevards são mais fresquinhos que as ruas normais, conforto ocasionado pelas sombras das copas das árvores. No outono, por causa das folhas secas, os boulevards adquirem mil tons de dourado, um espetáculo. Depois, quando as folhas caem, que é rápido por aqui, a gente vai andando e ouvindo aquele barulhinho de pisar em folhas secas. Eu amo sempre!
Pois é, tudo isso para explicar que se tenho duas opções de caminho, e um deles passa por um boulevard, é esse que escolho!
Hoje, saindo da minha ginástica em Lausanne, segui caminhando calmamente e sem pressa pelo Boulevard de Grancy. Fazia um calor do cão.

Na minha frente observo um senhor mais idoso, daqueles que parecem ser bem tradicionais. Apesar do calor, ele usava um blazer e gravata. Imagino que excepcionalmente pela temperatura, permitiu-se adicionar ao visual formal, um boné. Adoro estes tipos, tipicamente suíço.
Meu senhor se movia devagar, mas seu auxílio de bengala ou andador. Seu ritmo era compatível com sua idade. Eu também seguia devagar, tranquila, mas mesmo assim nossa distancia se encurtava aos poucos, dada a baixa velocidade do senhor.
De repente ele parou. Chamou minha atenção imediatamente e instintivamente, parei também. Ele então curvou-se com dificuldade, claramente fazendo algum esforço, e pegou uma garrafa long neck que estava esquecida no meio da rua.
Desenrolou-se e retomou sua caminhada lenta.
Neste momento eu já o observava sem discrição. Notei então outras três pessoas, vindas na direção contrária a nossa, e que também atentavam a seus movimentos vagarosos.
Ele parou em frente a um lixo público, e depositou a garrafa.
Talvez percebendo a audiência, ou falando para si mesmo, disse: “Je n’ aime pas les couchons”, não gosto dos porcos.
Eu e os outros três expectadores nos entreolhamos rapidamente e trocamos em segundos um monte de sentimentos: orgulho pelo que assistimos, respeito àquele senhor e à sua idade e culpa, por não termos nos adiantado e pego a garrafa.
Senti um tapa na cara.
A Suíça é bem assim. Vivenciamos lições de cidadania em cada esquina.