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Velha é a vovózinha


"Quando nos aposentarmos, vamos passar o verão no Brasil e o verão na Suíça”, sonhava eu. Verão o ano inteiro, nada mal!

Sempre ouvi que os velhinhos sofrem muito no inverno. Imaginava que envelhecer na Suíça seria pior que no Brasil. Além de tudo doer mais no frio, e ser difícil de se esquentar, tem a neve. Complicado circular com neve. Um escorregão e já era. Para piorar, na Suíça o serviço é muito caro ou seja, quase ninguém tem ajuda para os afazeres domésticos ou contratar cuidadores. Coitados dos velhinhos.

Acontece que estou começando a repensar.

Vejo aqui idosos para todos os lados. Felizes, circulam acompanhados ou sozinhos. São respeitados por todos. Me encanta especialmente vê-los nas montanhas, fazendo trilhas. E estou falando de idosos mesmo, não terceira idade. Alguns idosos são mais rápidos que eu, que não cruzei os 50 anos ainda.

Penso que o fato de precisar se movimentar para fazer compras, arrumar as casas, carregar suas coisas para cima e para baixo – literalmente, pois muitos moram em edifícios sem elevadores - usar transporte público, e viver as quatro estações os torna mais saudáveis.

Os velhinhos daqui não se limitam. Vão para rua mesmo com neve caindo. Quantas vezes vejo velhinhos brasileiros trancados em casa só porque está frio?

Um amigo conta que sua mãe, suíça alemã, mora na fazenda sozinha, pratica yoga diariamente e no auge dos seus 94 anos, vai duas vezes por semana visitar velhinhos em um asilo, como voluntária. Se sente útil, sem tempo de se sentir velha.

A mãe do Meu Suíço mora em um apartamento sem elevador, de quatro quartos, que até pouco tempo atrás ela mantinha organizado sozinha. Com sua aposentadoria contada ela administrava suas finanças e cuidava da casa. Caiu. Teve que encarar uma cirurgia ortopédica aos 92 anos. Não se vitimizou. Encarou hospital e quatro semanas internada em uma casa de recuperação, onde fazia fisioterapia quase que tempo integral. Voltou para casa. Hoje, recebe semanalmente uma assistente social para ajuda-la nas atividades da casa e organizar as contas pois a queda a limitou fisicamente. Inconformada, investe algumas horas do seu dia fazendo exercícios de fisioterapia sozinha e desafia seu joelho, que insiste em restringir seus movimentos. Lúcida, conversa sobre tudo. Conta orgulhosa que já está conseguindo descer os degraus do prédio e a reconquistar sua independência. Brava. Ninguém a segura. Se deixar, vai viver ainda outros 100 anos.

Não sei se é a garra adquirida nos tempos de guerra, a necessidade ou a determinação anglo-saxônica, mas fato é que ninguém espera que o outro resolva suas coisas. Aqui é mão na massa. Pequenas atividades como arrumar sua própria cama, fazer compras a pé e ter que se levantar do sofá para atender uma ligação de telefone ajudam. Mover-se faz diferença lá na frente.

E é claro que na Suíça existe uma cultura de respeito ao idoso que também ajuda muito.

Outro dia, dentro de um ônibus, notei que demorávamos uma vida para sair do ponto. Os ônibus têm seus horários cronometrados por aqui. Distraída com meu celular percebi a demora mas não observei o motivo. Levantei os olhos, já suíçamente impaciente, e então vi um senhor com seu andador, sozinho e curvado, atravessando o corredor do ônibus com passos milimétricos. Sorri. O motorista, sensível e bem treinado, esperou este senhor acomodar-se antes de arrancar. Ninguém reclamou, todo mundo esperou. Isso é respeito.

Aqui as calçadas são feias, sem graça, mas são todas funcionais. Têm guias rebaixadas, são padronizadas e lisas. São boas tanto para patinete quanto para andadores e cadeiras de rodas.

Mas nada vem de graça.

Existe muita educação. Parece que o suíço cresce sabendo que um dia ficará velho também. E se prepara. Cultua hábitos saudáveis, pratica exercícios fisicos e mentais e não se conforma com qualquer tipo de restrição.

Infelizmente alguns problemas de saúde são inevitáveis, incontornáveis, realmente restritivos. Mas felizmente, muitos ainda podem escolher a velhice que quer ter.

Eu já resolvi. Se puder escolher vou fazer o possível para ver os Alpes, ou o mar, no meu horizonte. Não quero me restringir a quatro paredes e a intermináveis reclamações.

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