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Colhendo uvas na Suíça

Quando a gente não conhece muito bem a cultura do lugar e das pessoas, as vezes a gente se dá bem. Mais ou menos nesta mesma época do ano, em 2007, ouvi de um novo amigo que ele iria ajudar a colher uvas na propriedade de um amigo dele. Me ofereci para ajudar também. Ele ficou surpreso com minha espontaneidade e disse que perguntaria se eu poderia ir. Achei frescura, mas esperei. Depois de uns dias, anunciou minha participação. Fui “aceita”.

Esta vendange, colheita das uvas, está entre as experiências suíças mais queridas que tenho. Foi excepcional.

Depois entendi que fui bastante impertinente pois a vendange em propriedades pequenas é uma festa quase que familiar, eu diria até íntima. E fui eu lá, curiosa, querendo experimentar coisas novas. Me dei muito bem! Colhi uvas com avós, tios, sobrinhos e funcionários da pequena vinícola. Tudo em um terreno para lá de acidentado com um visual incrível. Depois da colheita, uma raclette para festejar a colheita e agradecer, agradecer, agradecer. Muito interessante!

Acontece que continuo procurando de novas experiências e claro, louca para reviver o que foi bom.

Três semanas atrás fui degustar vinhos no Domaine Terre Neuve, pertinho de casa. Delícia de dia. E entre degustações de vinho branco e tinto, me ofereci ao gerente da propriedade para ajudar na vendange. Expliquei que queria tirar umas fotos e escrever sobre a experiência. Não cobraria nada e trabalharia de graça. “Negocião, sou pau pra toda obra”, tentei convence-lo. Na hora de ir embora entreguei a ele meu cartão, e insisti “Me liga João!”.

E não é que João ligou?

A colheita este ano está bem inconstante, acompanhando a metereologia. Desconfio que João estava já atrasado em seu cronograma e um par de mãos a mais não faria mal algum. Sorte minha. Vesti meu macacão e fui, mas avisei que por poucas horas, já que tinha outro compromisso agendado.

Fui com minha Vespa e na propriedade peguei carona no trator do João. Comecei bem, pensei. Andar de trator me remete diretamente a Santa Rita, onde passei minha infância. De trator chegamos nas videiras que colheríamos.

Me foi entregue uma ferramenta cortante, uma espécie de alicate, e uma explicação de não mais de trinta segundos: “Corte rente ao fruto. Cuidado para não se cortar. Se algumas frutas estiverem podres, bata nelas para descartar o podre. Pronto.”

Esta propriedade é diferente da outra que fui. Mais profissional, conta com temporários contratados para colher as uvas.

E lá estava eu, dez anos depois, ajudando a colher as uvas do vinho que consumo.

Comecei com chasselas, a pequena uva branca mais plantada na Suíça.

Eu de um lado e um francês do outro lado da videira. Suas mãos super ágeis cortavam em uma velocidade assustadora. E claro, o papo começou a rolar. Não sei o nome dado para a versão atual dos hippies de antigamente mas ele certamente se encaixaria na definição. Cabelos rastafari, fala mansa, roupas largas. O francês se desloca do sul para o norte em seu motorhome, com seu cachorro vira-latas fofo de 9 meses, colhendo uvas a medida que maturam. Não sabia ainda quanto receberia pelo trabalho mas achava o visual do domaine lindo. Gosta de estar em contato com a natureza e não tem a menor ideia do que fará amanhã. Estava querendo ir para Lausanne dançar na Mad, clube mais badalado da cidade. Depois de passar o dia inteiro levantando e abaixando colhendo uvas o cara iria dançar? Saudades dos meus 20 anos!

Uma francesa estava lá também. Foi indicada pela amiga do cunhado que trabalha com vinhos e conseguiu um trabalho no domaine sem ter experiência anterior. Se sentiu sortuda, pois este trabalho requer experiência. Estava imunda, com terra nos cabelos e no rosto. Feliz, brincava e conversava com todo mundo. Curiosa sobre minha chegada, perguntou porque eu estava lá. Disse que tinha um blog, que escreveria, fotografaria e aprenderia. Me senti café com leite, um par de mãos a mais e nenhuma competição. Melhor assim.

E entre abaixadas e levantadas fui colhendo as uvas. Enchendo engradados e os colocando entre as videiras, para permitir a passagem do trator, que recolhia as uvas e espalhava novos engradados vazios. Trabalho cansativo, pior que muita ginástica!

O céu foi ficando cinza. Vem água. Com a chuva para-se a colheita. A água nas uvas atrapalha a qualidade do vinho.

O povo continuou e eu obediente continuei também. O chefe, João, não tinha mandado parar. Meus cabelos ensopados denunciavam que a chuva tinha vindo para ficar.

João então passou e me chamou para o trator: “Vamo bora Teca, não vai pegar uma gripe”. Fui, os outros logo em seguida também pararam mas voltaram a pé.

João me levou de volta até o domaine. Lá mostrou a cave e explicou cada uma das máquinas e mangueiras, em plena produção.

As uvas colhidas são pressadas imediatamente. No dia seguinte o suco já começa a fermentar.

João agradeceu minha ajuda e eu agradeci a oportunidade. Brinquei que fiz super bem feito já que sou consumidora exigente. Ele riu.

Certamente provarei a safra 2016 com outros olhos.

Eu, já com as pernas bambas e cansadas, montei na minha Vespa e voltei pra casa molhada, com frio, mas bem feliz. Ano que vem vou de novo!

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