
Com a chegada do frio vem o dilema de dirigir ou não nos dias de muita neve.
É diferente sim dirigir na neve. É mais ou menos como dirigir no barro, em ruas alagadas ou em estrada de terra. Precisa ter as manhas. Se a gente vacilar, o carro perde o controle.
A infraestrutura suíça para o inverno é simplesmente fenomenal. As estradas são limpas imediatamente após a neve cair. Eu brinco dizendo que parece que as máquinas ficam de plantão escondidas atrás das árvores esperando os primeiros flocos. Realmente é impecável.
As ruas são muito bem sinalizadas, a previsão do tempo é precisa e as coisas funcionam na Suíça mas, mesmo assim, de vez em quando a gente pode se surpreender. Dirigir na neve tem risco sim e ter experiência faz toda a diferença do mundo.
Quando trabalhava em uma multinacional aqui, tinha um carro da empresa. No meu primeiro inverno dirigindo, fui fazer um curso sobre como dirigir na neve.
Primeiro passamos por um curso teórico, onde alguns conceitos de segurança e mecânica nos foram passados. De lá seguimos para uma espécie de autódromo, todo gelado.
O bacana era que toda a prática era feita no seu próprio carro, para assegurar familiaridade com o veículo. E você dirige sozinho, ou mais ou menos sozinho, pois me foi entregue um rádio pelo qual eu ouvia as instruções do piloto que nos treinava.
Eramos uma fila de veículos em uma pista toda congelada. Ouvíamos as instruções, que as vezes eram divulgadas para todos os veículos e outras vezes eram privada.
Aguardávamos as instruções em fila, cada um dentro do seu carro, todos ansiosos e impacientes. Assistíamos os carros da frente, muitas vezes dirigidos por colegas de trabalho e não pilotos profissionais, rodando no gelo.

Quando chegava a minha vez ouvia o piloto me direcionando pelo rádio, mandando aumentar a velocidade. Ele incentivava “Vai! Mais rápido.... vai!”. E ai você se empolga e vai, afinal, está lá para isso e todo mundo está te assistindo. Até que o maluco te manda brecar de maneira brusca, geralmente quando a gente perde o controle do carro.
No início achei bastante estranha a sensação de dirigir de uma maneira irresponsável. Era claro que ele nos instruía para que colocássemos o carro em risco. Mas depois a gente entra no clima e se sente um pouco no papel de dublê, onde o risco é calculado.
O que está por trás desta experiência é que uma vez vivenciando o risco, registramos e aprendemos a controlar o carro. O pânico é menor e o instinto funciona.
E o exercício fica divertido. Todo mundo tentando chegar no seu próprio limite. Todo mundo se sentindo James Bond.
Algumas instruções teóricas nos foram passadas, algo do tipo não brecar, ou para os carros com tecnologia avançada, cravar o pé no breque independentemente do forte barulho do freio. Mas o que eu lembro bem, de todo este treinamento acontecido há sete anos, foi o conselho que fez diferença para mim: olhar para onde você quer ir, e deixar o instinto vai colocar o carro no lugar. Simples não? O problema é que a gente sempre olha para onde não quer ir, terminando em perigo.
Depois deste treinamento tive duas situações de risco onde coloquei em prática o que aprendi. E funciona. Ainda bem!
A primeira vez fui surpreendida por uma nevasca quando descia uma estradinha pequena e cheia de penhascos. Meu carro deslizou três vezes e eu, olhando instintivamente para onde queria ir, consegui coloca-lo de novo na pista.
A segunda eu rodei indo para Chamonix. Estava atrasada e acelerei, desprezando a neve e confiando no meu carro de alta tecnologia. Perdi a direção e rodei. Felizmente nada de grave aconteceu. Aprendi que não tem pontualidade que compense o risco e que nem um carrão garante segurança quando a gente abusa da sorte.
O segredo é respeitar a neve, fugir do gelo na estrada e ter o bom senso de não ir além do que a gente consegue garantir.
O treinamento fez toda a diferença do mundo nos meus dois potenciais acidentes. É muito bom já ter sentido o perigo e ter saído da situação de risco, mesmo que simulada. A gente se sente mais preparado, mais seguro. E o nosso instinto realmente aprende o que fazer.
Recomendo para brasileiros que mudaram para a Suíça os cursos da TCS (https://www.tcs.ch/fr/le-tcs/sections/vaud/cours/cours-neige-et-glace.php), de onde peguei o vídeo abaixo.