
A minha vizinha mais nova, moradora da villa que moro, chama-se Jeniffer. Tem 7 anos.
Filha de um casal suíço, Jeniffer começou a ir sozinha para a escola este ano. Vai a pé. Muitas vezes volta com uma amiguinha. Coisas da Suíça.
Como ela passa com bastante frequência na frente do nosso portão, pensei em apresentar Roger a ela. Tudo o que não pretendia era assustar a vizinhança.
No final de semana que Roger chegou ela andava com seu pai e eu rapidamente os convidei para entrar pelo jardim e conhecer nosso filhotinho. Roger tinha 9 quilos.
Entraram portão adentro. Roger, no auge de sua infância, só queria saber de brincar. Pulava nela, mordia suas roupas e corria alucinadamente ao redor da criança. Ela, que nunca teve um cachorro antes, ficou estática, imóvel e dura, com os bracinhos tensos para baixo, assustada com a espontaneidade do filhote.
Segurei Roger e insisti que ela acariciasse seu pelo. Ela o fez sem o menor conforto. Certamente não será muito fácil, pensei.

Expliquei então ao pai que ele cresceria muito rápido, atingindo até 40 quilos. Acalmei os dois, avisando que Golden Retriever é uma raça extremamente amigável e especialmente carinhosa com crianças. E fui além, disse que minha intenção era que os dois ficassem amigos para que quando ele crescesse ela não se impressionasse com o tamanho dele. Desconfio que o pai aprovou meu esforço. Quando se despediram, eu disse a ela que poderia passar por aqui para visita-lo quando quisesse.
Comecei então a fazer minhas caminhadas com Roger. Sucesso absoluto. Não que eu queira ser convencida, mas é difícil encontrar alguém que resista a tanto charme e gostosura.
Em uma destas caminhadas cruzei com Jeniffer e duas amiguinhas, quando voltavam da escola. Uma das amiguinha largou todos os materiais no chão e praticamente rolou na calçada com Roger. Disse que tinha um cachorro também, já grande, e que era apaixonada por ele, explicando tamanha intimidade.

Caminhamos juntas para casa, Roger, Jeniffer, a amiguinha e eu. Passamos pela frente da casa de uns outros amiguinhos dela que também chegavam da escola e que surpreendentemente não resistiram aos encantos do filhote peludo. Todos se jogaram no chão para brincar com ele. E eu fiquei lá, segurando e acalmando Roger alucinadamente feliz no meio da criançada.
Jeniffer observava as reações das crianças com uma mistura de curiosidade e orgulho. Percebi que estava maravilhada com a reação espontânea de seus amiguinhos e também orgulhosa de conhecer, antes de todo mundo, aquele que roubava a atenção de todas as crianças do quarteirão. Assim que caiu a ficha, é claro, botei fogo: “Roger é amigo da Jeniffer”. Ela ficou ainda mais inflada de tanto orgulho.
E assim começou a nossa história.
Dia seguinte minha campainha tocou. Olhei pelo vidro e não enxerguei ninguém. Abri a porta, abaixei a vista e vi as duas pequenas, Jeniffer e uma outra amiguinha, as duas ainda carregando nas costas a mochila da escola. “Viemos visitar o Roger”, anunciou entrando.
Todos os dias daquela semana ela apareceu. Perguntei se sua mãe sabia que ela estava na minha casa. Ela disse que não. Pedi então que a avisasse. Dia seguinte ela confirmou que avisou. Tudo que não preciso é de problema com vizinhos.
Ainda ressabiada com a impulsividade dos pulos e movimentos bruscos que ele fazia, Jeniffer ficava estática, se esforçando para se acostumar com Roger.
Devagar foi se soltando e começou a interagir timidamente com ele.

Avisava com a voz trêmula de excitação, que não era comida para que ele a mordesse, jogava com seus brinquedinhos e se esquivava de seus saltos. Eu mostrei a ela a bagunça que ele faz na hora de comer. Ela pirou.
E em suas visitas Jeniffer sempre me conta histórias. Soltou que estava ensaiando um teatro para o dia dos pais e que queria que a quinta feira da apresentação chegasse logo. A peça não a fascinava tanto quanto as cortinas que montaram no colégio para a apresentação. Contava que andava a cavalo nas montanhas durante o final de semana. E reclamava do irmão mais velho, novidade nenhuma. Um universo infantil do qual eu me encontrava distante.
Esta semana perguntei se ela queria dar uma volta comigo e Roger pela floresta. Ela confirmou. Sugeri passar por sua casa, para avisar a mãe, que não se absteve. Fomos.
Lá, rodeada pelas folhas amareladas do outono, me ensinou a música que canta com seu pai sempre que passeiam na floresta. Claro que tive que pedir para repetir umas dez vezes, até entender aquela vozinha infantil cantando em francês.
As vezes tenho que avisar a ela que é hora de ir para casa, se não ela vai ficando, ficando. Criança esquece do tempo. Uma gracinha.
Nas férias escolares, durante duas semanas, ela sumiu. Foram para as montanhas, depois soube. Sentimos falta, eu e Roger. Voltou cheia de novidades.
Tenho me divertido com as visitas da minha amiguinha de só 7 anos. Além de quebrar minha rotina, Jeniffer sempre me ensina alguma coisa.